Enfim, é realmente encantado... um som que nunca tinha escutado e um show que foi sem dúvida um espetáculo!
Eles apareceram aqui em Brasília em 2006 e nunca mais esqueci os danados!
Hoje pela manhã meu aleatório apontou para a música "O Cordel Estradeiro":
A bença Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro / Vem lhe pedir permissão / Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro / Da força do teu trovão
E as asas da tanajura / Fazer voar o sertão
Meu moxotó coroado / De xiquexique facheiro / Onde a cascavel cochila / Na boca do cangaceiro
Eu também sou cangaceiro / E o meu cordel estradeiro / É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira / Aguando a terra quente / Erguendo um véu de poeira / Deixando a tarde cheirosa
É planta que cobre o chão / Na primeira trovoada
A noite que desce fria / Depois da tarde molhada
É seca desesperada /Rasgando o bucho do chão
É inverno e é verão / É canção de lavadeira / Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume / Alpendre de casarão / A cuia do velho cego / Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira / O banzo de fim de feira / Janela de caminhão
Vocês que estão no palácio / Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho / Das uvas frescas do Lácio / Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira / Um cantador de primeira / Que nunca foi numa escola
Pois meu verso é feito a foice / Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo / Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima / Voa do cabo e se dana
Parece o que para você? Eu simplesmente amo essa linguagem... simples mas rebuscada!
Repare:
"Apesar das evidentes diferenças estéticas e musicais, o Cordel, motivado pela fulminante projeção, começou a ser comparado ao Manguebeat, movimento recifense que pontuou a década de 90. 'Não existe comparação porque é diferente. Cordel do Fogo Encantado vem do sertão, quase uma década depois do surgimento de Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A. Somos do sertão, eles do litoral. Na verdade temos um ponto em comum, que é uma forte característica do Manguebeat: a diversidade', explicou o produtor Gutti ao site Mais Cultural. 'Apesar de não fazer parte direta do mangue beat, estamos integrados a ele, sim. Foram essas bandas que abriram o mercado, que deram uma dimensão profissional para os músicos de Pernambuco' afirmou Lirinha (vocalista) à Folha em 2001.
Assim, dona de uma temática que aborda o universo sertanejo, e não o urbano pernambucano, a banda deu voz à tradição oral dos trovadores do sertão. Obras de poetas populares como de Zé da Luz, Manoel Filó, Manoel Chudu, Inácio da Catingueira e de Chico Pedrosa grifam a identidade do Cordel do Fogo Encantado, ao lado das criações de Lirinha, que digere a presença de heróis como Lampião, Padre Cícero e Antonio Conselheiro, e orações católicas."
Entendeu?
Essa linguagem faz parte de uma das nossas raízes, é o sertanejo acrescido de ritmos.
"Podia dizer que a gente faz samba de coco, reisado ou um pouco de música indígena, ritmos comuns lá na região de Arcoverde, mas não é só isso. É um som, uma batida que a gente inventou. Ou melhor, que não inventamos, mas já existe por aí, como nos trovões. É difícil explicar racionalmente”, contou Lirinha à Folha de S. Paulo, em 2000. 'A temática do nosso trabalho é influenciada pelas festas populares, pela estrutura poética dos cordéis, pela oralidade dos cantadores que improvisam, dos aboiadores”, continuou. Mas essa opção textual, aliada às informações musicais da banda que assentam-se em ritmos da região de Arcoverde (PE), não torna o grupo um representante das tradições do Nordeste, conceitos que eles mesmos questionam."
Todavia, a questão que me chama atenção não é a postura como representantes de uma tradição, mas como eles deram voz a uma pequena parte de nossa cultura tão esquecida, ridiculamente empobrecida e 'estrangeirada'.